
O céu não é mais dos pássaros. É dos demônios.
Os corvos sempre foram símbolo de mau agouro. Na Era da Sobrevivência, eles se tornaram profecia cumprida. Corrompidos pela mesma praga que transformou humanos em monstros, estes pássaros deixaram de ser carniceiros — agora são caçadores. E seu alvo favorito é qualquer coisa que ainda respira.
A Fome Desesperada
O inverno se aproxima e os suprimentos da comunidade acabaram. Os campos de cultivo foram devastados, os animais que restavam morreram de doenças. A fome já levou três idosos e duas crianças. Se não houver comida em breve, todos morrerão.
O Rumor: Sobreviventes que passaram pela região sussurram sobre um antigo supermercado atacadista a 15 km do acampamento. Um armazém da rede "Compre Mais" que supostamente ficou lacrado durante o surto inicial. Estima-se que contenha toneladas de enlatados, grãos e água mineral.
O Problema: O caminho atravessa o "Vale dos Corvos" — uma extensão de terra agrícola agora dominada por milhares de corvos infectados. Os poucos que tentaram passar nunca voltaram. Apenas um sobreviveu, delirando de febre e com os olhos arrancados, repetindo sem parar: "Eles viram meus olhos primeiro... sempre os olhos primeiro..."
Ele morreu três horas depois. Não pela febre. Ele mordeu a própria língua até sangrar até a morte. Preferia isso ao que viu.
A Corrupção Alada
Os corvos infectados não são como os humanos corrompidos. São piores. A praga amplificou seu intelecto já impressionante enquanto erradicou qualquer traço de medo. Eles aprenderam. Evoluíram. Caçam em bandos coordenados com estratégia militar.
Comportamento dos Corvos Infectados
- Inteligência Predatória: Diferente dos infectados humanos, os corvos mantêm e amplificam sua inteligência. Eles reconhecem armadilhas, aprendem padrões de comportamento e guardam rancor. Se você matar um, os outros lembrarão seu rosto.
- Comunicação Sonora: Seus grasnados não são mais apenas sons — são linguagem. Eles coordenam ataques, sinalizam localização de presas e chamam reforços de quilômetros de distância.
- Alvos Primários: Os olhos. Sempre os olhos primeiro. Eles atacam a visão da vítima para cegá-la, depois desmembram lentamente. Já foram vistos mantendo presas vivas por dias, bicando pedaços enquanto a vítima grita.
- Ninhadas Macabras: Eles fazem ninhos dentro de cadáveres. Não por necessidade — por prazer. Entrar em seu território significa pisar em campos semeados com corpos abertos, pulsando com filhotes famintos.
A Matriarca
No centro do Vale existe algo que os sobreviventes chamam de "A Matriarca" — um corvo tão grande quanto um cão de porte médio, com penas negras que parecem absorver a luz e olhos que brilham com uma inteligência aterrorizante. Diz-se que é o primeiro corvo a ser infectado na região, e que de alguma forma, controla todos os outros.
Matá-la pode dispersar o bando. Ou pode enfurecê-los além de qualquer razão.
A Jornada ao Vale
O caminho até o armazém é dividido em três zonas distintas, cada uma com seus horrores particulares.
Zona 1: Os Campos Silenciosos (0-5 km)
O grupo deixa o acampamento ao amanhecer. Por duas horas, tudo parece normal. Assustadoramente normal.
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Ambiente:
- Campos de milho e soja abandonados, secos e mortos.
- Silêncio absoluto. Nem insetos, nem vento. Nada.
- No horizonte, uma linha escura que parece uma nuvem baixa. Não é uma nuvem.
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Pistas Perturbadoras:
- Um espantalho em um campo. Ao se aproximar, percebem que é um corpo humano crucificado, com os olhos arrancados e a boca aberta em um grito mudo. Buracos de bicadas cobrem cada centímetro de pele exposta.
- Um carro abandonado na estrada. Dentro, uma família inteira — pai, mãe, duas crianças. Todos mortos, todos sem olhos. Os bancos estão encharcados de sangue seco que racha sob os pés. No banco traseiro, uma boneca com olhos de vidro — os únicos "olhos" que restaram.
- Pegadas de animais no barro, mas estranhamente... grandes demais para corvos normais.
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Evento: O primeiro bando aparece. Apenas três corvos, observando de um poste elétrico caído. Eles não atacam. Apenas... olham. Se os jogadores atirarem, os corvos desviam com agilidade antinatural e grasnando — um som que ecoa por quilômetros.
Aviso do Narrador: Este é o último momento para desistir. Se os jogadores continuarem, não há volta fácil.
Zona 2: O Território Marcado (5-10 km)
A linha escura no horizonte se revela pelo que é: milhares de corvos empoleirados em cada superfície vertical — árvores mortas, postes, telhados de fazendas abandonadas.
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Ambiente:
- O sol mal penetra através da massa de corpos emplumados acima.
- O ar fede a podridão e amônia concentrada de fezes de aves.
- O chão está coberto por uma camada de penas negras, ossos e... coisas que um dia foram humanas.
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Horrores Visuais:
- O Campo dos Ninhos: Uma plantação de trigo onde cada espiga morta foi substituída por um ninho. E cada ninho está dentro de um torso humano. Dezenas de corpos pendurados em estacas, abertos do pescoço ao umbigo, servindo de incubadoras. Alguns ainda se movem — os filhotes estão se alimentando de órgãos que ainda pulsam.
- A Árvore dos Dependurados: Um carvalho enorme no centro de um cruzamento. Dos galhos pendem corpos por cordas de tripas humanas trançadas. Os corvos os usam como poleiros, bicando lentamente a carne enquanto o vento balança os cadáveres como móbiles grotescos.
- O Silo de Sangue: Um silo de grãos agrícola. A porta está aberta. Dentro, não há grãos — há corpos empilhados até o teto, todos sem olhos, todos com a mesma expressão de terror congelado.
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Mecânica de Tensão:
- O grupo precisa atravessar em silêncio absoluto.
- Qualquer som acima de um sussurro faz centenas de cabeças negras virarem em sua direção.
- Se atacados, o encontro não é de combate — é de fuga. Centenas contra um punhado de humanos.
Zona 3: O Ninho da Matriarca (10-15 km)
O centro do Vale. A terra aqui é diferente — escura, oleosa, contaminada por algo que vai além da praga normal.
- Ambiente:
- Uma antiga fazenda leiteira transformada em algo indescritível.
- O celeiro principal está coberto por uma massa pulsante de corvos — tão densa que parece viva, respirando.
- O ar é quase irrespirável. O cheiro de morte é físico, tangível.
- A Aproximação:
- O armazém "Compre Mais" é visível a apenas 2 km dali. Tão perto. Tão inalcançável.
- Para chegar lá, o grupo precisa passar pelo território da Matriarca.
- Podem tentar contornar (adiciona 5 km e risco de emboscadas) ou enfrentar.
O Ataque
Quando (não se) os corvos atacarem, a experiência deve ser esmagadora.
Fase 1: O Silêncio que Ensurdece
- A Pausa: Todos os corvos param. O silêncio é tão repentino e absoluto que machuca os ouvidos.
- O Olhar: Milhares de olhos vermelhos viram simultaneamente para o grupo. Uma onda de atenção predatória que pode ser sentida fisicamente.
- O Grasno: Um único som vindo da Matriarca. Grave, longo, vibrando nos ossos. É uma ordem.
Fase 2: A Nuvem Negra
- A Ascensão: Os corvos sobem em uníssono. O bater de milhares de asas cria um vento forte o suficiente para derrubar uma pessoa.
- A Escuridão: O céu desaparece. O sol é completamente bloqueado. É noite em pleno dia.
- O Mergulho: Eles descem como uma tempestade viva. Bicos e garras de todos os lados.
Mecânica de Combate
O combate contra corvos infectados é diferente de qualquer outro:
- Ataques Coordenados:
- 3 corvos atacam os olhos (teste de Destreza dificuldade 8 para proteger o rosto).
- 5 corvos atacam as mãos (para desarmar).
- O resto vai para qualquer pele exposta.
- Dano por Turno:
- 1-5 corvos: 1 nível de dano por turno.
- 6-20 corvos: 2 níveis + teste de Estabilidade.
- 21+ corvos: 3 níveis + risco de cegueira permanente.
- Defesas Efetivas:
- Fogo (tochas, coquetéis molotov) cria zonas seguras temporárias.
- Barulho extremo (buzinas, alarmes) os desorienta por 1-2 turnos.
- Abrigo fechado é a única segurança real.
Cenas de Horror Durante o Ataque
Use estas descrições para criar terror visceral:
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A Primeira Vítima: Um membro do grupo (NPC ou jogador) tropeça. Em segundos, ele desaparece sob uma massa negra que se contorce. Os gritos são substituídos por sons úmidos de carne sendo rasgada. Quando os corvos se dispersam brevemente, resta apenas ossos vermelhos e tiras de músculo.
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O Rosto que Desaparece: Um corvo maior acerta em cheio o rosto de alguém. O bico penetra a órbita ocular com um som pop obsceno. O grito que se segue é inumano. Quando a ave sai, arrasta consigo o olho ainda conectado pelo nervo óptico.
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A Chuva Vermelha: Durante a fuga, os corvos atacam de cima. Sangue cai como chuva — dos mortos sendo devorados acima, das próprias vítimas, dos corvos feridos. O chão fica escorregadio. Alguém cai. Não se levanta.
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O Sacrifício: Um NPC desesperado se joga sobre o companheiro ferido para protegê-lo. Os corvos o consomem vivo enquanto ele grita "CORRE!" — seu corpo comprando segundos preciosos enquanto é reduzido a carne exposta.
O Armazém
Se (milagrosamente) o grupo chegar ao armazém, descobrem que as portas estão seladas desde o Dia Zero. Dentro, há mais do que esperavam — e menos.
A Entrada
- A Boa Notícia: As portas de aço mantiveram os corvos do lado de fora.
- A Má Notícia: Também mantiveram algo do lado de dentro.
O Interior
O armazém está escuro. As lanternas revelam:
- Suprimentos: Sim, há comida. Toneladas. Enlatados, grãos, água. Suficiente para meses. A missão pode ser cumprida.
- Os Mortos: Funcionários e clientes que estavam dentro quando o surto começou. Alguns são infectados comuns (fáceis de eliminar após semanas sem alimento). Outros...
- O Ninho Interno: Nos fundos do armazém, há uma porta para a área de carga. Está entreaberta. Penas negras saem por baixo. Sons de grasnados vêm de dentro.
O Plot Twist: A Matriarca Está Dentro
A revelação devastadora: A Matriarca não está no celeiro da fazenda. Nunca esteve. Aquilo era uma distração, uma armadilha.
Ela está no armazém. Sempre esteve. É aqui que ela faz suas verdadeiras ninhadas.
- A Câmara de Carga: No centro da área de distribuição, há uma montanha de corpos — funcionários, clientes, sobreviventes que tentaram entrar antes. Todos servem de berçário para milhares de ovos negros pulsantes.
- A Matriarca: Ela está no topo, enorme, protegendo sua prole. Suas asas se abrem e bloqueiam a única saída. Olhos vermelhos brilham com inteligência maligna.
- A Escolha: Lutar contra a Matriarca (quase suicídio), negociar usando suprimentos como distração, incendiar tudo e fugir com o que conseguirem carregar ou encontrar outra saída.
As Saídas
- Porta Principal: Bloqueada pela Matriarca e seus filhotes.
- Doca de Carga: Portões eletrônicos — precisam de energia ou força bruta.
- Sistema de Ventilação: Apertado, escuro, cheio de fezes e filhotes rastejando. Horror claustrofóbico.
- O Telhado: Escada de emergência leva ao telhado. De lá, podem usar cordas para descer do outro lado — diretamente para o território dos corvos externos.
O Retorno
Escapar do armazém é apenas metade do pesadelo. Agora precisam cruzar o Vale novamente — desta vez, carregando peso, feridos e marcados.
Complicações
- Os Feridos: Qualquer membro com ferimentos abertos atrai corvos. Sangue é um convite.
- O Peso: Suprimentos são pesados. Correr carregando comida é quase impossível.
- A Noite: Se demorarem, a noite chega. Corvos enxergam no escuro. Humanos não.
- A Vingança: Se mataram a Matriarca, os corvos estão em frenesi. Se não mataram, ela os está seguindo pessoalmente.
Cenas do Retorno
- A Emboscada no Milharal: Corvos escondidos entre as espigas secas. Atacam de todos os lados quando o grupo está no meio do campo. Sem abrigo, sem cobertura.
- O Companheiro Perdido: Alguém fica para trás. Os jogadores ouvem gritos atrás deles. Voltar é morte. Continuar é abandono.
- A Chuva de Suprimentos: Durante um ataque, alguém solta a mochila de suprimentos. Comida se espalha pelo chão. Um dilema brutal: recuperar e morrer ou abandonar e talvez morrer de fome depois.
Consequências
Se a Missão For Bem-Sucedida:
- A comunidade sobrevive ao inverno.
- Os sobreviventes são heróis — e eternamente assombrados.
- A história do Vale dos Corvos se espalha. Ninguém mais tentará cruzá-lo.
Se a Matriarca Morrer:
- Os corvos se dispersam temporariamente.
- Meses depois, rumores surgem: um novo bando se formando em outro lugar. A praga não morre com uma ave.
Se a Matriarca Sobreviver:
- Ela agora conhece o rosto dos jogadores.
- Corvos começam a aparecer perto do acampamento. Observando. Esperando.
- Um dia, alguém acorda com um corvo sentado em sua janela. Olhando diretamente para ele.
Os Sobreviventes:
- Trauma permanente. Testes de Estabilidade sempre que virem pássaros de qualquer tipo.
- Cicatrizes físicas — marcas de bicadas que nunca somem completamente.
- Pesadelos recorrentes: olhos vermelhos no escuro, o som de asas batendo.
Estatísticas de Criaturas
Corvo Infectado Comum
- Ameaça: Individual baixa, em bando extrema.
- Atributos: Destreza 4, Força 1, Vigor 1.
- Ataque: Bico/garras — 1 nível de dano.
- Especial: Ataque coordenado (+1 dado para cada 5 corvos atacando o mesmo alvo).
- Fraquezas: Fogo, barulho alto.
Corvo Sentinela
- Ameaça: Média.
- Descrição: Maior que o normal, age como batedor e alerta o bando.
- Atributos: Destreza 5, Força 2, Vigor 2.
- Especial: Grasno de Alerta — chama 2d10 corvos em 2 turnos.
A Matriarca
- Ameaça: Extrema.
- Descrição: Do tamanho de um Pastor Alemão. Penas que parecem absorver luz. Olhos vermelhos brilhantes com inteligência maligna.
- Atributos: Destreza 6, Força 4, Vigor 5.
- Ataque: Bico/garras — 3 níveis de dano. Pode arrancar membros.
- Especial:
- Comando do Bando: Pode ordenar ataques coordenados de até 50 corvos.
- Voo Silencioso: +3 dados em ataques surpresa.
- Resistência à Dor: Continua lutando até -5 níveis de saúde.
- Fraquezas: Seus filhotes. Atacar os ninhos a enfurece, mas também a distrai.
Atmosfera de Terror
Para narrar "Cuidado com os Corvos", foque na vulnerabilidade e no pavor:
Visão: O céu que se torna sólido de tão cheio de corpos negros. A impossibilidade de contar quantos são. Olhos vermelhos que parecem brilhar no escuro. Penas caindo como neve negra. Corpos humanos que não são mais reconhecíveis como humanos.
Audição: O bater de milhares de asas — um trovão contínuo que vibra no peito. Grasnados que formam padrões, que parecem linguagem. O silêncio repentino que precede o ataque — mais aterrorizante que qualquer som. Os gritos abafados dos que estão sendo consumidos.
Olfato: Amônia concentrada das fezes. O cheiro de ferro do sangue — sempre sangue. Carne apodrecendo ao sol. O fedor doce-azedo de corpos usados como ninhos.
Tato: Penas tocando o rosto quando eles passam voando. A dor aguda de bicos perfurando pele. O líquido quente do sangue escorrendo. O vento gelado de asas batendo tão perto que cortam o ar.
Psicológico: A consciência de que são inteligentes. De que lembram. De que não há onde se esconder sob um céu aberto. A paranoia de olhar para cima constantemente. O terror de saber que, para eles, você não é uma ameaça. Você é comida.
Dicas para o Narrador
Tom: Esta história é sobre vulnerabilidade primal. O medo de ser caçado, de ser presa. O terror de olhar para o céu e ver predadores de onde deveria vir luz. Os corvos são inteligentes demais para serem apenas animais, e cruéis demais para serem apenas famintos.
Ritmo: Comece lento e oppressivo. Deixe a tensão construir. Quando o ataque vier, seja implacável. Não dê pausas. Não dê momentos seguros. O céu inteiro é o inimigo.
O Impossível: Deixe claro que o combate direto é suicídio. A vitória está na fuga, na sobrevivência, em carregar comida suficiente para que os mortos não tenham morrido em vão.
Horror Corporal: Use descrições gráficas de ferimentos. Olhos arrancados, carne bicada até o osso, pessoas sendo consumidas vivas. Isso é horror 18+. Não economize.
Limites: Como sempre, conheça sua mesa. Use ferramentas de segurança. O objetivo é terror catártico, não trauma. Se alguém pedir pausa, pause. A história estará lá quando voltarem.
Vitória Vazia: Mesmo que consigam a comida, o custo deve ser devastador. Amigos mortos, sanidade perdida, cicatrizes que nunca somem. A comunidade sobrevive, mas os heróis... os heróis nunca mais serão os mesmos.
Aviso de Gatilho: Esta narrativa contém violência gráfica extrema, mutilação, gore e horror corporal intenso. Recomendado apenas para mesas adultas (18+) que estejam confortáveis com este nível de conteúdo. Utilize sempre o X-Card e outras ferramentas de segurança. O horror deve ser divertido de uma forma catártica — se não estiver sendo, ajuste.